terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Há meses que namorava o livro dos 20 anos da SIC nas prateleiras dos hipermercados. Fiz chegar a todos a minha vontade de o ler e, por isso, quando na noite passada, por detrás do papel rasgado foi surgindo a capa que eu já conhecia de cor, despontou-me o sorriso mais sincero dos últimos dias. Li-o com a rapidez de quem precisa de ar. As 'Histórias de uma Revolução' que assinalam o aniversário da primeira estação de televisão privada e mostram os bastidores da informação não são só testemunhos de vivências, são segredos, sentimentos que conseguimos transportar para nós através da escrita de outros. Poucos escrevem tão bem como o Bento Rodrigues. Senti-me parte da história do Anselmo Crespo sobre o desastre nuclear de fukushima e o coração apertar com a da Fernanda de Oliveira Ribeiro. Não há como explicar o que todas elas nos dizem. Todas. Ler as 'Histórias de uma Revolução' é ver o outro lado do que me deram a conhecer desde que comecei a entender o que se passava na televisão, é saber o que já sabia, que são pessoas. 

A mim, trouxe-me a magia que eu já não encontrava, o encanto, o alento, o entusiasmo que eu tinha perdido. O livro dos 20 anos da SIC, que eu cobiçava avidamente, lembrou-me porque é que escolhi esta profissão. Lê-lo é sentir um murro no estômago, um peso ao fundo da barriga, um arrepio. É sentirmo-nos cheios, completamente preenchidos não sei por quê, é despertar todos os sentidos e mergulhar de cabeça. Devorei-o, quase literalmente, e quando os meus olhos percorreram a última linha da última página ficou, sobretudo, uma vontade enorme de começar tudo de novo.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Eu acredito que mudamos. Nós, pessoas, mudamos constantemente e não entendo quem acredita no contrário. Mudamos um pouco todos os dias. Mudam-nos as pessoas, mudam-nos as circuntâncias, mudamo-nos nós que, com o tempo, já não nos identificamos com o que sempre fomos. Cansamo-nos do pão com manteiga do pequeno almoço, enjoamos do perfume que dá cheiro à nossa pele há mais do que uma eternidade, provamos algo que sempre abominamos sem experimentar e descobrimos que é bom. É bom, também, mudar às vezes. Outras vezes não sei. Não sei o que é de nós quando deixamos para trás o 'nós' que sempre fomos. Não sei o que é de nós quando descobrimos que os sonhos que nos construiram podem não ser mais nossos. Sei que mudei. Hoje mudei e já não quero mais ser o que sempre quis. Sem lamurias, sem frases lamechas, sem nada. É simples assim. Hoje não quero, amanhã é outro dia e a única coisa que me deixa gelada de medo é a possibilidade de continuar a não querer!

domingo, 28 de outubro de 2012

Quero ir embora!

Tenho pensado muito nisso, cada vez mais. Gostava de viver num lugar onde se falasse inglês, gostava de sair daqui. Bem sei que o dia em que me for embora vai ser o dia em que me despeço do sonho de ser jornalista. Sei disso tudo mas se parte de mim se lamenta, a outra já não se importa porque tenho a certeza que, mesmo aqui, o sonho vai ser difícil de realizar. Quero ir embora deste país que já não me dá nada, que não tem nada para me oferecer. Quero ir embora. Quero ir para um sitio onde comece do zero. Posso bem limpar casas, trabalhar em cafés, posso limitar a minha escrita a este blogue que parte de mim já não se importa. Eu já não quero saber, só quero ir embora. Se ao menos tivesse escolhido ser enfermeira, médica, engenheira podia estar a trabalhar em Londres, em Paris como tantos outros. Podia ir para lá, arriscar, mas arriscar no meu sonho. Agora assim. Eu não tenho nenhuma especificidade, só sei escrever. E por mais que ache isso a melhor coisa do mundo, o resto do mundo não pensa da mesma maneira. Quero ir embora, para longe. Quero ter saudades. Preciso, urgentemente, de sentir saudades das coisas boas deste país. Preciso de me lembrar que há coisas boas. Tenho de chorar nos aeroportos enquanto me despeço das pessoas mais importantes, tenho que respirar o ar de outras cidades, tenho que conhecer novas pessoas, integrar-me em novas culturas, tenho que conseguir depender de mim. Portugal não me deixa depender de mim, nem sei se um dia vai deixar e eu estou cansada. 
Hoje, não se respira neste país, não se sonha e a imagem do que a minha vida possa ser daqui a 30 anos não me deixa feliz. Eu preciso ir embora daqui, quero ir embora deste país e viver num sitio onde não me digam que vivo acima das minhas possibilidades mas onde me dêem possibilidades de viver.

domingo, 21 de outubro de 2012

Já ninguém se importa. Esta semana, sempre que abri um jornal, liguei a televisão, sintonizei uma rádio enterrei-me num Portugal em queda livre que, aos poucos, arrasta a comunicação social para um buraco tão fundo que será difícil sair. Abri a minha página de facebook vezes sem conta. Partilhavam fotos de uma redacção da agência Lusa vazia. Partilhavam noticias sobre um Público mais pobre, falavam de uma possível venda da Controlinveste (JN, DN, TSF, O JOGO) aos angolanos,tentavam, a todo o custo, lutar contra uma maré que, de tão forte, já arrastou quase tudo. Antes, já tinham anunciado encerramentos de revistas, já tinham acabado com a (minha) Jornalismo Porto Rádio. Esta semana, a minha página do facebook mostrava-me um mundo negro que eu parecia não encontrar na vida de mais ninguém que não pertencesse à área. Já ninguém se importa. Ninguém quer saber. Quem não pertence ao meio não quer saber. Quem não pertence ao meio diverte-se a contar piadas, partilha imagens parvas, com frases que têm tanto de sentimentalismo da treta como de vazias. Nas edições online dos jornais leio comentários que me dão náuseas e me fazem querer abrir cabeças ocas e colocar alguma coisa lá dentro. Anonimamente (não é sempre assim?) perguntam "para que serve uma agência", dizem concordar com despedimentos, "é bem feito". Questionam a credibilidade de um jornalismo que já deveria ter dado provas mais do que suficientes. Já ninguém se importa. "Os despreparados, incompetentes estão condenados ao fracasso", leio noutro comentário. Já ninguém se importa. Custa-me que ninguém se importe!
"O meu trabalho é com palavras... Tive essa sorte"
Manuel António Pina

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Há coisas sobre as quais não conseguimos escrever. Umas porque não as queremos partilhar, porque o medo de que as roubem de nós é tanto que se torna impossível dar-lhes forma. Na maior parte das vezes não sabemos como as colocar em palavras. Eu não sei como descrever o que um lugar me faz sentir. Eu não sei explicar a forma como aquele cheiro a mar me entra pelas narinas e me faz sentir que vivi sempre ali. Como é que se explica que as ondas que nos batem na pele não são só ondas? Como é que se explica que nos lavam a alma e que, a cada batida que nos arranca os pés da areia, levam um pouco de nós. Como é que se faz alguém compreender que, naquele momento, nós somos um bocadinho de mar, um pouco de sol. Como? Eu não sei escrever sobre como o sol se põe no mar e de como o meu coração se arrepia sentado nas passagens de madeira. Eu não sei. Não sei pôr o Paraíso em palavras. Sei que tem cheiro de mar, casas pequeninas e noites quentes. Sei que tem ruas estreitas, pessoas inigualáveis e uma magia que me faz sentir bem, plenamente feliz, leve e com vontade de lá ficar para sempre, mas não sei escrever sobre o Paraíso. Sei que lá estive, que é sitio mais bonito do mundo. Conheço esse paraíso onde todos desejamos chegar um dia, quando morrermos, mas que está bem aqui, na terra. Vivi-o e não sei escrever sobre ele. E, de todas as vezes que perguntam sobre os meus dias, acontece o mesmo. Sinto os olhos brilhar, o coração bater mais depressa e da minha boca não sai senão o vazio cheio de coisas que não sabemos como colocar em palavras.

sábado, 11 de agosto de 2012

S. Bento

Não consigo ler. Há dois minutos que não consigo tirar os olhos da mesma linha da página 82. Dois rapazes, um mais bonito que o outro, sentam-se no banco atrás de mim com tanta força que dou um salto involuntário. A senhora à minha frente, de pés sujos e um ar estrangeiro, veste cor de rosa da cabeça aos pés e abana desesperadamente o leque. Eu estranho. O ar condicionado está ligado e os pêlos dos meus braços, eriçados, dizem-me que a temperatura está abaixo dos 20º. O marido, careca e de óculos, intercala a leitura do seu livro francês com expressões de tamanha frustração que denotam uma vontade imensa de sair daqui. Ao meu lado outra senhora, com umas calças que nem lhe chegam ao tornozelo, carrega  uma lancheira gigante no colo e dá trincas gulosas numa maçã muito verde. Oiço, atrás de mim, a conversa de um outro senhor que, ao telemóvel, pede para lhe enviarem um email com alguma informação sobre algo profissional enquanto, lá ao fundo, uma senhora loira tenta, em vão, esconder por detrás dos óculos escuros o facto de estar a dormir. Elas são, ainda assim o centro das atenções, o alvo de olhadelas de soslaio. As três, loiras, têm um sotaque que não chega a ser profundamente inglês e tem um toque americano doce, encantador. Oiço-as rir e falar de uma amiga que ficou tão bêbada que tiveram que chamar uma ambulância para a levar. Eu delicio-me enquanto todos os outros parecem incomodados. O casal à minha frente troca caricias antes de sair. Eu continuo sozinha, mas não leio. Continuo na mesma linha da página 82. Hoje não leio, vou só encher-me deste mundo paralelo que tantas vezes me acompanhou e eu parecia já ter esquecido. Hoje não leio, vou só encostar a cabeça ao banco vermelho e viajar até S. Bento como se fosse a primeira vez.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Voltar

Sinto o meu cérebro ser oxigenado freneticamente enquanto percorro a estrada vazia. É noite. Lá fora, o que consigo ver não vai além do que a luz dos faróis alcança, o rádio emite sons calmos, quase imperceptíveis, de programas tipicamente nocturnos e, pela janela aberta, entra um ar quente  e irrespirável.

Há qualquer coisa nas noites de verão que fazem a solidão dos poucos quilómetros que me separam de casa ter gosto de liberdade. Têm algo de inexplicavelmente inspirador capaz de remover todo o cansaço que o corpo guardava até aí. O cérebro parece perfeitamente capaz de me levar para os mais variados pensamentos: trabalha rapidamente e faz todos os músculos do meu corpo relaxar... é como se, de repente, sentisse a adrenalina a pulsar em todas as veias do meu corpo e, ao mesmo tempo, ele se distendesse completamente.

O cansaço esconde-se por detrás das minhas pálpebras que se abrem mais do que o normal e o meu cérebro emite fracções de pensamentos desconexos que desaparecem no segundo seguinte. Nos poucos quilómetros que me separam de casa tudo em mim percorre um ritmo alucinante. Eu continuo o caminho devagar, aumento o volume do rádio e a minha única certeza é que, nessa noite, não vou conseguir dormir.

terça-feira, 29 de maio de 2012

"Eu nem sequer gosto de escrever...

Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida." 
eugénio de andrade

domingo, 27 de maio de 2012

Gostava de poder voltar a sentar-me à mesa do café com uma ou duas pessoas. Gostava de perguntar, genuinamente, pelas novidades entre o sumo de laranja e a torrada. Gostava de saber o que nos levou umas das outras, gostava de perceber o que eu fiz, em que magoei e gostava de dizer que não queria. Que não queria magoar, que não queria que me fugissem, que não queria. Gostava de perceber se ainda somos o que éramos, se ainda as via como antes, se me identificava com o que, depois deste tempo, habita naqueles corpos. Gostava. Gostava de pedir o café e sorrir-lhes enquanto abro o pacote de açúcar. Gostava, nem que fosse uma só vez, mesmo que percebesse que o que nos unia não existe, que não há como voltar atrás, gostava. Gostava que soubessem que tenho saudades.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Difficultatem

Diz-se, por aí, às vezes, que o mais difícil do mundo é pensar, é aceitar novos desafios, conhecermo-nos a nós próprios, escolher o que é mais importante. Diz-se, por aí, outras tantas, que difícil é pagar as contas, manter um trabalho, alimentar uma relação. É verdade, sim, o que dizem por aí. E é difícil não ter onde viver, não ter o que comer. É verdade. E, ao mesmo tempo, todas as dificuldades são difíceis por si só. Sem escalas, sem verdades pré concebidas. São difíceis, sim, mas é a maneira como as encaramos que as torna mais ou menos pesadas. Eu, que não conheço as maiores dificuldades do mundo, que nunca lutei por mim da maneira mais obscura que um ser Humano pode lutar, que não conheço o lado negro do mundo, só posso imaginar como algumas destas coisas seriam. Só me posso colocar num papel inimaginável de dor e falta de esperança, só posso sair da minha pele e, por momentos, sentir-me parte de outra. Eu, que não conheço o lado mais negro do mundo só posso falar do cinzento que consigo ver. É que o mais difícil do mundo é também não conseguir seguir em frente, não conseguir pôr tudo para trás das costas. Às vezes, o mais difícil do mundo é começar de novo, enterrar assuntos que rabiscam a nossa existência há tempo de mais. É perceber que o que achávamos ter um ponto final tem, na verdade, uma virgula mal feita, é perceber que nunca iremos acabar o que deixamos a meio, aprender a viver sem alguém que se confundia com nós mesmos.  Às vezes o mais difícil é isto, outras vezes...não!

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Always

"There is a universal truth we all have to face, whether we want to or not, everything eventually ends. As much as I've looked forward to this day, I've always disliked endings. Last day of summer, the final chapter of a great book, parting ways with a close friend. But endings are inevitable, Leaves fall, you close the book. You say goodbye. Today is one of those days for us. Today we say goodbye to everything that was familiar, everything that was comfortable. We're moving on. But just because we're leaving, and that hurts, there's some people who are so much a part of us, they'll be with us no matter what. They are our solid ground. Our North Star. And the small clear voices in our hearts that will be with us … always."
 C.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Deixo-me estar. Dou-me à fraqueza do cansaço, à facilidade da frustração e à inquietação do nervosismo. Furam-me os silêncios estridentes de lágrimas que já não se querem mudas. Salta-me o coração vazio à velocidade de uma estrela e soluça-me a respiração.  Os degraus tornam-se menos distantes, arruinam-me a máscara  e explodem mil sorrisos sufocantes de quem voou cedo de mais. Ali, entre olhos molhados e sorrisos infindáveis, tudo o resto é silêncio. Une-me o coração com segredos de um abraço, entusiasma-me o perfume do que não volta, abre-me feridas que achava curadas, desarruma-me sentimentos banidos. Ali, na eternidade de alguns minutos, é aquele abraço que levo para a vida e eu deixo-me estar. 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Vivemos inundados em promessas que nunca iremos cumprir. Sabemos que não, e prometemos sem remorso, sem dor de cabeça, sem peso na consciência. Prometemos visitar a escola antiga quando mudamos para uma nova, prometemos voltar a casa daquele amigo depois de lá termos estado uma vez, aproveitar as férias para ir passar uns dias com o conhecido que vive em outro país, voltar ao antigo local de trabalho para dizer olá. Somos peritos em promessas de circunstância, em convites politicamente correctos, em compromissos para "um dia". Depois dizemos a nós mesmos que os horários na escola nova não nos deixam visitar a antiga, convencemos o nosso amigo de que andamos cheios de coisas para fazer e que não é a melhor altura para ir lá jantar, explicamos ao nosso conhecido que as viagens para fora do país estão muito caras e as finanças não andam boas, contamos aos nossos ex-colegas de trabalho  como precisamos dar o máximo neste novo início profissional e que o melhor é adiar a visita. E adiamos. Adiamos para um dia. Um dia. Um dia, quando percebermos que vivemos inundados em desculpas vamos explicar aos outros que só há duas razões para não cumprirmos promessas. Algumas delas não nos dizem nada e, à última hora, acabamos por desistir. Outras dizem demasiado e, à última hora, perdemos a coragem.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Há qualquer coisa que não sei caracterizar nestes dias onde não há sol e não chove, onde ainda não é maio e março já acabou. É, provavelmente, a indecisão do tempo que já não se adequa, a incerteza de estações que já não existem, a inércia de não chegar a lado nenhum. Há qualquer coisa que não sei caracterizar e que, ao mesmo tempo, me descaracteriza e me despe da pouca luz que ainda tenho. Não é só o tempo, não são só os dias. São as coisas que já não têm lugar,  os momentos que não deixam detalhes. Não há nada nestes dias e do nada não ficam memórias, não há lugar a inspiração, não sobra espaço para o equilíbrio, não há forma de caracterização. Não há nada que eu saiba caracterizar e, nestes dias, até o 'nada' o vento levou.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Ver


A pior cegueira é a de quem vê. De quem não consegue ver para além do que olhos mostram, de quem não consegue chegar onde a visão não alcança. O pior cego é o que não vê de olhos fechados, que sente um mundo superior de olhos abertos. Que vê demasiado, deturpa, e diz ver o que não viu na realidade. Quem vê demasiado acha-se demasiado por ver e não acredita no que não viu. Quem não vê, às vezes, vê mais além, melhor. Ver é um dom que muitos não agradecem, um fardo que outros tantos quase não aguentam. Não ver é a doença dos olhos mas, para muitos, ver é a doença da alma.

quinta-feira, 8 de março de 2012


Detesto textos moralistas, onde é fácil ter opinião contra e difícil reconhecer quando se é a favor. Detesto textos de pessoas que escolhem assuntos da actualidade para se fazerem passar por mais eruditos do que são na realidade. Detesto textos de quem critica, aponta o dedo às coisas sem se preocupar em arranjar soluções para que funcionem melhor. Ter personalidade vincada está na moda e detesto textos de quem finge uma personalidade que não tem. Detesto textos cheios de ‘eu ajudei’, ‘eu dei’, ‘eu fiz’, ‘eu falei’, ‘eu decidi’. Gosto de textos do ‘eu’, sim, mas daqueles onde o ‘eu’ é acessório e o importante não é o que ‘eu’ fiz para ajudar, mas quem ‘eu' ajudei. Em que o importante não é ‘eu’ ter dado, mas a história de quem recebeu. Em que, mais importante do que aquilo que se parece ser é a genuinidade do que se é. Não gosto do ‘eu’ nas minhas frases, também. Acho que as torna egoístas e egocêntricas e tento não o usar. Mas é que, às vezes, por detestar com tanta força esses moralismos baratos, tenho medo de que também me possam ver assim.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Para Sempre

Há pessoas que são nossas Para Sempre. Aquelas que sabemos, bem no fundinho do peito, que não vão a lado nenhum. As que já conhecem tanto de nós que podemos ser genuínos, baixar as defesas sem ter medo que fujam. Que nos conhecem os defeitos de trás para a frente e que, quando estamos vermelhos de fúria, se riem na nossa cara e nos obrigam a rir também. Toda a gente tem amigos para sempre. A diferença está no conceito de ‘sempre’. ‘Sempre’ não é o mesmo que sairmos juntos umas noites, não é estar quando há um objectivo comum, não são demonstrações de amizade no facebook, não é ligar quando precisamos de companhia enquanto esperamos por outras pessoas. Não é estar com alguém enquanto é interessante. 'Sempre' é muito mais. É chamar os nomes mais parvos aos amigos e virar leão quando alguém os ataca. É escrever emails de quilómetros a contar o dia-a-dia, quando o trabalho nos impede de fazê-lo pessoalmente. É passar dias, meses sem nos vermos e sentir que, quando nos encontramos, não passou um segundo desde a última vez. 'Sempre' é irmos a correr encontrar aquela parte de nós que mais precisa. É ouvirmos ‘não te preocupes que vai ficar tudo bem’ quando sentimos o chão a fugir dos pés. É percorrermos quilómetros para passar um fim-de-semana com aquela pessoa, fazer viagens de uma hora para podermos conversar 15 minutos. É estar quando é interessante, quando nos insulta, quando está triste, quando está mais feliz que nós. 'Sempre' são segredos, gargalhadas e olhares que mais ninguém entende e nem queremos que entenda. É um gostar que vem de dentro e não se sabe explicar. Ninguém gosta de todas as pessoas da mesma maneira mas eu acredito cegamente que é possível gostar da mesma pessoa de muitas maneiras. E para mim não há dois conceitos de 'Sempre'. ‘Sempre’ é Para Sempre e há pessoas que são nossas Para Sempre.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Não me admira que as histórias contadas em livro sejam melhores do que as contadas em filme. Uma imagem até pode valer mil palavras, mas as palavras valem mais de mil imagens na minha cabeça. Não me admira que haja quem se recuse a ler determinados textos. Ler materializa sentimentos, leva-nos para longe, dá-nos um mundo nosso. Hoje, custa-me ler desabafos dos dias mais felizes da minha vida, que guardo num lugar onde só nós temos acesso. E, mesmo assim, leio. De tempos em tempos engulo em seco, respiro fundo e leio. Não são precisas mais do que três linhas para me sentir lá outra vez, para conseguir ver as mesmas pessoas, para quase sentir o perfume e identificar os cortes de cabelo. Não preciso de muito para me ver como num filme que eu própria escrevi e protagonizei. Para me ver a correr, a sorrir. E quase sinto aquela felicidade outra vez, quase acredito que nada mudou, que ainda me pertence. Depois fica a saudade só, o pensamento de que não devia ter lido. Fica uma angústia que quase dói no peito e pesa nos olhos. E li tudo, tudo, tudo. E não me admira que haja quem se recuse a ler determinados textos. Ler é uma droga que dá um prazer sem limites e acaba por nos deixar loucos. E também não me admira que as histórias contadas em livro sejam melhores do que as contadas em filme, são mais nossas.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ai o amor e o dia dos namorados

A verdade é que sou um fruto seco. Desengane-se quem pensa que o que lê aqui é o reflexo de alguém irremediavelmente romântico. Não é. Na verdade, o que eu sou e o que escrevo parecem ser duas coisas completamente distintas que, nem por sombras, poderiam co-habitar no mesmo ser. Não acredito no amor, pelo menos não da forma que a maioria das pessoas o vê.  Chamem-me anormal, inconsciente, o que quiserem, mas eu nunca sonhei casar e o romantismo faz-me aflição. Acho o casamento desnecessário e, escandalizem-se, acho, sinceramente, que se pode ser feliz sem ter um cadeado de metal agarrado ao dedo.  As demonstrações de amor fazem-me levantar o sobrolho e querer sair a correr. Se forem em público parecem-me sempre pouco genuínas e deixam-me a pensar que quem as faz, fá-lo não pela pessoa que diz amar, mas para esfregar a felicidade na cara dos outros. 
Não sou um cubo de gelo, mas as pieguices (agora está na moda dizer isto) sufocam-me. Faço tudo pela minha família e sou capaz ser a pessoa mais doce com os amigos, é só que esta forma de amor faz-me espécie. Mas vamos lá imaginar que até nem leram nada desta minha alergia ao amor, e vamos ser sinceros: as mulheres escolhem sempre os comprometidos ou aqueles que têm escrito na testa "vou magoar-te até liquidificares as entranhas". É certo como a água do rio aqui perto de casa estar poluída. E, portanto, isso do amor, do conto de fadas e do belo príncipe no cavalo branco acaba em pudim.
Não quero com isto dizer que o que escrevo é vazio porque não é. Ponho sempre algo de mim no que escrevo, e tudo tem um sentido. É só que hoje não estou virada para as frases bonitas nem consigo pensar em nenhuma história incrível. Hoje é isto, não gosto do dia dos namorados, não acho piada ao amor e a verdade é que sou um fruto seco!


P.S- Note-se que escrevi isto ao som do "My heart will go on" da Celine Dion, com muitas falas do TITANIC pelo meio, para ver se me amolecia o coração, coisa que não se veio a verificar. 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

De olhos claros e Cabelo muito preto, a Helena acordava cedo, todos os dias. Escovava o cabelo demoradamente, escolhia a saia mais brilhante, o top mais exuberante. Passava lápis nos olhos, batom nos lábios e espalhava perfume no pescoço. Depois corria a tomar o pequeno-almoço, agarrava nos livros e o pai deixava-a na escola. Naquele dia chegou atrasada e na correria nem percebeu quando esbarrou nela. De cabelo desarrumado e cara de sono, a Joana levantou-se do chão sem ajuda. Voltou a casa a correr para trocar a roupa, agora suja. Escolheu as calças de ganga do costume, que ainda estavam penduradas no arame, puxou a camisola de manga comprida, atirou água para a cara e voltou a sair. Chegou tarde às aulas, ainda com o cabelo despenteado, e ouviu a gargalhada de fundo. Não ligou, estava demasiado habituada aos risos, às piadas, aos cochichos quando passava no corredor.

O pai da Helena chegou ao fim da tarde, esperou o toque do fim das aulas e alguns minutos depois lá vinha a Helena, rodeada de amigos. Despediu-se e entrou no carro. Arrancaram e pararam na passadeira em frente à escola. A Joana atravessou a rua, sozinha no meio de todos os amigos da Helena, e caminhou até casa. Nessa noite a Helena adormeceu tarde. Deitou-se a olhar para o tecto e a desejar com muita força ser diferente de todas as meninas. Ser a melhor, a mais bonita, diferente. A Joana não conseguiu dormir. Enterrou a cara na almofada, fechou os olhos com força e desejou ser normal, passar despercebida e ser completamente igual às outras.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Teatro

Há qualquer coisa de sublime no teatro. Nem sempre são as histórias ou os textos. É a forma como as exclamações têm força, as interrogações são genuínas. Há qualquer coisa de mágico, também, na forma como as palavras atravessam a barreira dos lábios e parecem dar outro sentido ao próprio significado.  Depois há os gestos, os olhares, os toques, os sorrisos, as expressões que nos prendem a atenção e só a devolvem quando todas as luzes se apagam. Há qualquer coisa de brilhante também. Não são só as luzes, bem escolhidas, que ajudam a definir formas corporais. É a mistura de perfumes, as cadeiras vermelhas e a sensação de que quase podemos tocar o enredo que alguém escreveu antes de nós sermos nós. Teatro é tudo isto, 'não sendo ‘exactamente’ nenhuma destas coisas'.

Ainda que algum de vocês tenha vindo hoje aqui por acaso, não faz mal nenhum, é isto o que faz as pessoas – ter a certeza do acaso.’ Almada Negreiros

à A., que me enche de momentos.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Apetece-me ser bruta e usar palavras rudes. Palavrões, se lhes quiserem chamar. Quero ser politicamente incorrecta, também. Esbarrar a falsidade das pessoas na cara delas. Apontar a futilidade de certas amizades com todos os dedos. Apontar é feio, bem sei. Mas quem se importa se apontar é feio quando todos atiramos pedras ao vizinho. Apetece-me bufar na cara de muitos que não os suporto, que estou farta que me persigam, que não aguento a forma enjoada como falam. Apetece-me ser muito bruta. Agarrar em corpos de porcelana, abaná-los  e procurar a alma escondida no meio de tanto cristal. A falta de genuinidade acaba comigo. Não suporto gente que não solta gargalhadas só porque é um escândalo. Não aguento pessoas que não levantam a voz porque não é educado mas que espetam facas nas costas porque, por detrás, ninguém vê.  Apetece-me gritar-lhes aos ouvidos até não aguentarem a minha falta de chá e depois ignora-los. E no fim, quando deixarem cair a mascara delicada e caírem do patamar de superioridade, quero olhá-los nos olhos e sorrir. Quero dizer-lhes baixinho que a educação não pertence só a quem mantém o tom de voz baixo, a quem sabe falar correctamente, a quem ri timidamente, a quem está num patamar superior. Quero dizer-lhes que podem, sim, estar no patamar mais alto da pirâmide, mas quem vive na base tem a única coisa que eles nunca terão: personalidade.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alice

Tinha passado muito tempo desde que a Alice tinha pisado, pela ultima vez, aquele chão. Estava mais cheio, tinha mais nomes cravados em pedras de granito, mais flores a resistir ao vento. Tudo o resto era igual: o frio, os caminhos estreitos por entre os nomes cravados nas pedras de granito, as velas acesas quase sem cera. Foi, de braço dado com a mãe, atrás daquela multidão vestida de escuro que abafava pequenos soluços no cachecol. Não conhecia a pessoa que seguia na frente da multidão, nunca a tinha visto, nunca lhe tinha falado e agora sentia um estranho peso dentro do peito. Ninguém chorava compulsivamente, ninguém parecia perder o controlo e tudo o que era capaz pensar era em como nunca conseguiria manter aquela serenidade. Agarrou o braço da mãe com mais força  e quis sair dali. 

Enquanto voltava parou em frente a mais uma pedra de granito. Não havia fotografia, não havia velas e só algumas flores permaneciam ainda intactas. A placa de granito segurava um pequeno papel molhado, desbotado pela chuva. Tinha um desenho quase imperceptível e, em baixo, escrito com letra de criança permanecia intocável um "amo-te avô". 

Tinha passado muito tempo desde que a Alice tinha pisado, pela ultima vez, aquele chão e naquele momento teve a certeza que era melhor que continuasse assim.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sempre tive muita imaginação IV: "Quando eu for velhinha"

"Quando eu for velhinha vou ter os cabelos brancos. Também precisarei da ajuda das pessoas mais novas. As forças começam a não ser tantas como quando era mais nova. Se nós cairmos temos mais facilidade de partir qualquer coisa. Também quando envelhecermos vamos ficar reformados e ter uma reforma."

Elsa Sofia, 1997