terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fuga

Percorro a estrada estreita, devagar. O cheiro a terra queimada encontra o meu nariz e aconchega os meus pulmões tão intensamente que me sinto sufocar. As pedras enormes e majestosas estão cobertas por uma camada negra, fina. Tão fina que iria desaparecer, tal qual um  grão de areia que, em vão tenta permanecer no chão num dia ventoso. As árvores despidas e frágeis são agora carvão e no lugar das plantas estendem-se restos de vida no chão. 
Ao chegar lá tudo é supreendentemente diferente. Tudo parece intacto, perfeitamente coordenado. Nas estreitas ruelas de paralelo não passa mais do que um carro. Todas elas são iguais e delicadamente diferentes. A vizinha do primeiro andar comenta com a da frente a novela do dia anterior enquanto estende a roupa. Assim, na varanda, como se nada mais importasse naquele momento. Como se tudo fosse simples e a felicidade dependesse daquela roupa, daquela conversa trivial. A Maria passa a correr no meio das casitas de pedra. "Não há muitos carros não é Maria? podes estar à vontade", diz-lhe a primeira senhora enquanto continua a estender a roupa. A Maria sorri, sacode os cachinhos loiros e desata a correr novamente. 
Sentadas nas escadas do Pelourinho, mais quatro vizinhas discutem animadamente um qualquer assunto que não fui capaz de entender. E eu passo, olho e delicio-me com a vista de tirar o fôlego, com os poemas espalhados pelas ruelas, com a beleza e a simplicidade  de quem não precisa de mais nada para ser feliz.  

sábado, 25 de setembro de 2010

Pedra

. suportar conseguir as não já por altero as que eu sou outras, assim mesmo são
elas vezes Umas. esquerda a para direita da, baixo para cabeça de, contrário ao coisas as vejo vezes Às

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

S. Dali



Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
 Mas reconheço, ao medir-me, 
Que tudo isso é pensamento, 
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos, 
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada.
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Fernando Pessoa





sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Devaneios

Esta noite dei voltas e voltas na cama e o sono teimava em não chegar. Não sei se foi do café ranhoso se da má disposição que me acompanhou todo o dia, a verdade é que o galo da vizinha já cantava quando eu, finalmente, adormeci. Até lá, pensei em tudo o que se possa imaginar, analisei a luz verdinha da box ao pormenor, levantei-me três vezes, voltei para a cama e pensei mais, dei mais voltas na  cama.

Não consegui encontrar um motivo para ter vindo aqui parar, a este mundo, a isto que sou ou digo querer ser, que me dá um brilho no olhar e que ao mesmo tempo não sei explicar. Lembro-me de ser pequenina e ficar colada em frente à televisão sempre que, na SIC, começava os "Jornalistas". Adorava as histórias, as correrias, acho que me identificava e não sabia. Recordo-me de um episódio em especifico: havia pessoas barricadas num qualquer edifício que eu arriscaria ser o Rivoli embora tenha quase certeza que não. Bem, não sei bem se é uma recordação se um sonho, mas se não foi sonho as pessoas que se barricaram lá em 2006 devem ter visto o mesmo episódio que eu.

Eu que já fui coroada rainha dos erros, que me ri quando num teste vocacional me disseram que era dotada para a comunicação vim aqui parar. Pior, adoro ter vindo e não sei porquê. Nunca foi um sonho, como tantos colegas disseram quando entrei para a faculdade, aconteceu. Se calhar esteve lá sempre e eu nunca dei por ele até nos esbarrarmos, mas para ser absolutamente sincera, nem sei quando isso aconteceu.

Olhando bem ao pormenor, eu não podia ser outra coisa. Médica era completamente impossível. Odeio hospitais e o seu cheiro que nos consome as entranhas e não sai antes do terceiro banho. Como advogada seria um desastre. Eu não sou séria, nem tão pouco me levo a sério. Não consigo passar mais de cinco minutos sem dizer uma parvoíce, sem fazer uma cara estranha, um som estranho. Imaginem se isto me acontecesse no meio do tribunal. Definitavemente não. Não podia ser cozinheira porque detesto cozinhar. Não podia ser cantora porque, felizmente, percebi desde cedo que há pessoas que não nasceram para cantar e que eu sou uma delas. Policia? Policia adorava ser, adoro policiais. Mas há um pormenor importante que explica, por completo, a minha impossibilidade de ser policia: eu adoro os policiais americanos, as perseguições americanas, as investigações americanas e nós estamos em Portugal onde eu provavelmente acabaria por passar multas de trânsito. Não. Sou pouco delicada para jardineira, sou muito desastrada para trabalhos laboratoriais minuciosos. Actriz? Actriz até gostava e se calhar até me saia bem, mas não. Está demasiado na moda ser actriz, toda a gente quer. E depois há a questão da fama, não gosto. Gosto muito de viver a minha vidinha sem ninguém me conhecer, fazer o que me dá na real gana sem me preocupar se está alguém a ver ou não. 

É que não me vejo mesmo a fazer mais nada. Não quer dizer que não possa fazer porque sou capaz de aprender qualquer coisa, de fazer qualquer coisa. Mas isto é diferente, preenche-me e eu não sei como, deixa-me feliz e eu não sei porquê. Acho que ainda há esperança para mim porque mesmo não sabendo porque vim aqui parar, sei perfeitamente porque é que não fui parar a outro sitio qualquer.

P.S- Esta sou eu não poética, não-concisa, não-séria.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?"
Fernando Pessoa