domingo, 29 de janeiro de 2012

Teatro

Há qualquer coisa de sublime no teatro. Nem sempre são as histórias ou os textos. É a forma como as exclamações têm força, as interrogações são genuínas. Há qualquer coisa de mágico, também, na forma como as palavras atravessam a barreira dos lábios e parecem dar outro sentido ao próprio significado.  Depois há os gestos, os olhares, os toques, os sorrisos, as expressões que nos prendem a atenção e só a devolvem quando todas as luzes se apagam. Há qualquer coisa de brilhante também. Não são só as luzes, bem escolhidas, que ajudam a definir formas corporais. É a mistura de perfumes, as cadeiras vermelhas e a sensação de que quase podemos tocar o enredo que alguém escreveu antes de nós sermos nós. Teatro é tudo isto, 'não sendo ‘exactamente’ nenhuma destas coisas'.

Ainda que algum de vocês tenha vindo hoje aqui por acaso, não faz mal nenhum, é isto o que faz as pessoas – ter a certeza do acaso.’ Almada Negreiros

à A., que me enche de momentos.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Apetece-me ser bruta e usar palavras rudes. Palavrões, se lhes quiserem chamar. Quero ser politicamente incorrecta, também. Esbarrar a falsidade das pessoas na cara delas. Apontar a futilidade de certas amizades com todos os dedos. Apontar é feio, bem sei. Mas quem se importa se apontar é feio quando todos atiramos pedras ao vizinho. Apetece-me bufar na cara de muitos que não os suporto, que estou farta que me persigam, que não aguento a forma enjoada como falam. Apetece-me ser muito bruta. Agarrar em corpos de porcelana, abaná-los  e procurar a alma escondida no meio de tanto cristal. A falta de genuinidade acaba comigo. Não suporto gente que não solta gargalhadas só porque é um escândalo. Não aguento pessoas que não levantam a voz porque não é educado mas que espetam facas nas costas porque, por detrás, ninguém vê.  Apetece-me gritar-lhes aos ouvidos até não aguentarem a minha falta de chá e depois ignora-los. E no fim, quando deixarem cair a mascara delicada e caírem do patamar de superioridade, quero olhá-los nos olhos e sorrir. Quero dizer-lhes baixinho que a educação não pertence só a quem mantém o tom de voz baixo, a quem sabe falar correctamente, a quem ri timidamente, a quem está num patamar superior. Quero dizer-lhes que podem, sim, estar no patamar mais alto da pirâmide, mas quem vive na base tem a única coisa que eles nunca terão: personalidade.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Alice

Tinha passado muito tempo desde que a Alice tinha pisado, pela ultima vez, aquele chão. Estava mais cheio, tinha mais nomes cravados em pedras de granito, mais flores a resistir ao vento. Tudo o resto era igual: o frio, os caminhos estreitos por entre os nomes cravados nas pedras de granito, as velas acesas quase sem cera. Foi, de braço dado com a mãe, atrás daquela multidão vestida de escuro que abafava pequenos soluços no cachecol. Não conhecia a pessoa que seguia na frente da multidão, nunca a tinha visto, nunca lhe tinha falado e agora sentia um estranho peso dentro do peito. Ninguém chorava compulsivamente, ninguém parecia perder o controlo e tudo o que era capaz pensar era em como nunca conseguiria manter aquela serenidade. Agarrou o braço da mãe com mais força  e quis sair dali. 

Enquanto voltava parou em frente a mais uma pedra de granito. Não havia fotografia, não havia velas e só algumas flores permaneciam ainda intactas. A placa de granito segurava um pequeno papel molhado, desbotado pela chuva. Tinha um desenho quase imperceptível e, em baixo, escrito com letra de criança permanecia intocável um "amo-te avô". 

Tinha passado muito tempo desde que a Alice tinha pisado, pela ultima vez, aquele chão e naquele momento teve a certeza que era melhor que continuasse assim.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sempre tive muita imaginação IV: "Quando eu for velhinha"

"Quando eu for velhinha vou ter os cabelos brancos. Também precisarei da ajuda das pessoas mais novas. As forças começam a não ser tantas como quando era mais nova. Se nós cairmos temos mais facilidade de partir qualquer coisa. Também quando envelhecermos vamos ficar reformados e ter uma reforma."

Elsa Sofia, 1997