segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Há coisas sobre as quais não conseguimos escrever. Umas porque não as queremos partilhar, porque o medo de que as roubem de nós é tanto que se torna impossível dar-lhes forma. Na maior parte das vezes não sabemos como as colocar em palavras. Eu não sei como descrever o que um lugar me faz sentir. Eu não sei explicar a forma como aquele cheiro a mar me entra pelas narinas e me faz sentir que vivi sempre ali. Como é que se explica que as ondas que nos batem na pele não são só ondas? Como é que se explica que nos lavam a alma e que, a cada batida que nos arranca os pés da areia, levam um pouco de nós. Como é que se faz alguém compreender que, naquele momento, nós somos um bocadinho de mar, um pouco de sol. Como? Eu não sei escrever sobre como o sol se põe no mar e de como o meu coração se arrepia sentado nas passagens de madeira. Eu não sei. Não sei pôr o Paraíso em palavras. Sei que tem cheiro de mar, casas pequeninas e noites quentes. Sei que tem ruas estreitas, pessoas inigualáveis e uma magia que me faz sentir bem, plenamente feliz, leve e com vontade de lá ficar para sempre, mas não sei escrever sobre o Paraíso. Sei que lá estive, que é sitio mais bonito do mundo. Conheço esse paraíso onde todos desejamos chegar um dia, quando morrermos, mas que está bem aqui, na terra. Vivi-o e não sei escrever sobre ele. E, de todas as vezes que perguntam sobre os meus dias, acontece o mesmo. Sinto os olhos brilhar, o coração bater mais depressa e da minha boca não sai senão o vazio cheio de coisas que não sabemos como colocar em palavras.

sábado, 11 de agosto de 2012

S. Bento

Não consigo ler. Há dois minutos que não consigo tirar os olhos da mesma linha da página 82. Dois rapazes, um mais bonito que o outro, sentam-se no banco atrás de mim com tanta força que dou um salto involuntário. A senhora à minha frente, de pés sujos e um ar estrangeiro, veste cor de rosa da cabeça aos pés e abana desesperadamente o leque. Eu estranho. O ar condicionado está ligado e os pêlos dos meus braços, eriçados, dizem-me que a temperatura está abaixo dos 20º. O marido, careca e de óculos, intercala a leitura do seu livro francês com expressões de tamanha frustração que denotam uma vontade imensa de sair daqui. Ao meu lado outra senhora, com umas calças que nem lhe chegam ao tornozelo, carrega  uma lancheira gigante no colo e dá trincas gulosas numa maçã muito verde. Oiço, atrás de mim, a conversa de um outro senhor que, ao telemóvel, pede para lhe enviarem um email com alguma informação sobre algo profissional enquanto, lá ao fundo, uma senhora loira tenta, em vão, esconder por detrás dos óculos escuros o facto de estar a dormir. Elas são, ainda assim o centro das atenções, o alvo de olhadelas de soslaio. As três, loiras, têm um sotaque que não chega a ser profundamente inglês e tem um toque americano doce, encantador. Oiço-as rir e falar de uma amiga que ficou tão bêbada que tiveram que chamar uma ambulância para a levar. Eu delicio-me enquanto todos os outros parecem incomodados. O casal à minha frente troca caricias antes de sair. Eu continuo sozinha, mas não leio. Continuo na mesma linha da página 82. Hoje não leio, vou só encher-me deste mundo paralelo que tantas vezes me acompanhou e eu parecia já ter esquecido. Hoje não leio, vou só encostar a cabeça ao banco vermelho e viajar até S. Bento como se fosse a primeira vez.