sábado, 11 de agosto de 2012

S. Bento

Não consigo ler. Há dois minutos que não consigo tirar os olhos da mesma linha da página 82. Dois rapazes, um mais bonito que o outro, sentam-se no banco atrás de mim com tanta força que dou um salto involuntário. A senhora à minha frente, de pés sujos e um ar estrangeiro, veste cor de rosa da cabeça aos pés e abana desesperadamente o leque. Eu estranho. O ar condicionado está ligado e os pêlos dos meus braços, eriçados, dizem-me que a temperatura está abaixo dos 20º. O marido, careca e de óculos, intercala a leitura do seu livro francês com expressões de tamanha frustração que denotam uma vontade imensa de sair daqui. Ao meu lado outra senhora, com umas calças que nem lhe chegam ao tornozelo, carrega  uma lancheira gigante no colo e dá trincas gulosas numa maçã muito verde. Oiço, atrás de mim, a conversa de um outro senhor que, ao telemóvel, pede para lhe enviarem um email com alguma informação sobre algo profissional enquanto, lá ao fundo, uma senhora loira tenta, em vão, esconder por detrás dos óculos escuros o facto de estar a dormir. Elas são, ainda assim o centro das atenções, o alvo de olhadelas de soslaio. As três, loiras, têm um sotaque que não chega a ser profundamente inglês e tem um toque americano doce, encantador. Oiço-as rir e falar de uma amiga que ficou tão bêbada que tiveram que chamar uma ambulância para a levar. Eu delicio-me enquanto todos os outros parecem incomodados. O casal à minha frente troca caricias antes de sair. Eu continuo sozinha, mas não leio. Continuo na mesma linha da página 82. Hoje não leio, vou só encher-me deste mundo paralelo que tantas vezes me acompanhou e eu parecia já ter esquecido. Hoje não leio, vou só encostar a cabeça ao banco vermelho e viajar até S. Bento como se fosse a primeira vez.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fantástica narrativa (:
Ás vezes sabe bem, vivermos assim a vida dos outros por um pouco. Imaginar quem serão, qual será a sua profissão etc etc, esquecendo as nossas preocupações por alguns momentos