sábado, 31 de julho de 2010

Dr.

Somos como eles: práticos, certeiros, ambiciosos. Queremos ajudar, melhorar,curar os males alheios, como eles. E como eles acabamos por ferir, maltratar, matar. Queremos resolver os problemas da alma, remendar, costurar situações como eles remendam, costuram e resolvem  todo o corpo. Eles de objecto cortante nas mãos, nós de caneta inquieta entre os dedos. Ambos arruinamos, destruimos, matamos vidas quase tantas vezes como as que conseguimos curar. Ambos as temos nas mãos, queremos descobrir corações, perfurar entranhas em busca de explicações. Ambos lutamos ferozmente contra o tempo, damos o que temos, o que nos falta. Damo-nos de corpo e alma. Damo-nos para que sempre que, às nossas mãos, a vida se torne cinzenta possamos, como eles, dizer que fizemos tudo o estava ao nosso alcance.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O pijama às riscas

Abriu a mala vermelha, guardou os sapatos, os chinelos. Do lado direito, religiosamente dobrado, pousou o pijama. O pijama às riscas que a mulher, já falecida, lhe tinha oferecido no último natal. Em cima, o casaquinho de lã, as calças de fazenda desbotada, a camisa, a gravata e o casaco que ainda tinha na lapela aquela flor. Arrancou o retrato da mesinha de cabeceira. Aquele retrato. O retrato da última vez que tinham sido felizes. Guardou-o noutro bolsinho da mala.
Queria sair dali, daquela terrinha que já nem era santa. Queria viajar, encontrar Aquele lugar perfeito. Longe da coscuvelhice das vizinhas, longe das guerras de palavras e trocas de galhardetes que só serviam para afastar as pessoas. Queria encontrar Aquele lugar perfeito, onde não o julgavam sem o conhecer, onde não havia insultos, interesses escondidos, onde não o fariam pagar pela opinião dos outros, onde não o puxavam para uma guerra de que não fazia parte, que nunca quis comprar. Onde o viam: simples, grisalho, de pele enrugada e barba mal desfeita.
Percorreu várias cidades e nenhuma era Aquele lugar. À noite, escondia-se numa qualquer pousada, não muito cara. Abria a mala tirava o retrato, o pijama às riscas, os chinelos, as meias quando fazia mais frio. Vestia-o, deitava-se e quando acordasse o pijama voltaria ao lado direito da mala. O retrato ao bolso mais pequenino.
Naquela noite, teve dificuldade em vestir o pijama às riscas, não tirou da mala os chinelos, nem as meias mas permaneceu agarrado ao retrato. Deitou-se, suspirou profundamente e ali estava. Aquele lugar perfeito. Não tinha a mala vermelha, o casaco de lã nem os chinelos. Mas tinha tudo o que precisava para ser feliz: o retrato e o pijama às riscas.

domingo, 4 de julho de 2010

I never loved him. I thought I did, but I didn't. I think I wanted to love him so much that I didn't realise that I was lying to myself. I never loved him, never. I loved what he made me feel, what he may feel for me, but I didn't love THE person. I loved me when I was with him. It's selfish, I know, but at least, I'm not lying anymore.

Sophie