quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Orgulho

Gosto de pensar que sou forte. Mesmo que seja só uma elegante camada que a qualquer momento deixa escapar toda a fragilidade que quero esconder. Gosto de pensar que sou assim. Gosto de pensar que nunca querer pedir ajuda é só mais um sinal de que luto por aquilo que quero. Que luto, luto com todos os sentidos e consigo. Sozinha. Porque mereço.

Proibi as lágrimas de me escaparem em frente de quem me faz chorar. Proibi. Proibi e vou proibir mil vezes, se mil vezes me tentarem fugir. Tento obrigá-las a esconderem-se dos outros também. Insistem em desabar quando mais tento engoli-las. Gosto de pensar que é porque sou forte, porque não quero mostrar sofrimento a quem tanto anseia por ele, porque não posso levá-lo a quem nem deveria saber o seu significado.


Digo o quero, o que me sai sem querer. Digo a sorrir, ou ignoro. Mas insisto. Faço o que não me achavam capaz. Caminho a passo lento num beco, onde nem a lua se atreve a entrar, se for preciso. Gosto de pensar que é porque sou forte, porque atravesso obstáculos, combato os meus medos. Sozinha. Gosto de pensar que consigo.


Dizem que é orgulho. Eu gosto de pensar que é força. Gosto de pensar que sou eu que sou forte!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

(In)satisfação

Quando, pequeninos, entramos na escola só ansiamos chegar rápido a ser os mais crescidos. Brincamos de adultos, pais e mães, de príncipes e princesas apaixonadas. Na faculdade, não nos chega ser os inocentes, lutamos com garra de leão e aos poucos conseguimos que a nossa alma de passarinho transponha aquela barreira. Do outro lado, caminhamos no escuro e a luz da lua não é suficiente, queremos o sol.
Ansiamos a satisfação profissional, alcançamo-la e queremos um grande amor. Encontramo-lo, mas apesar de nos amar incondicionalmente e de ser cegamente correspondido vai sempre faltar um qualquer condimento mágico. Pimenta, doçura ou um simples gesto de carinho pela manhã, esquecido no meio da correria do dia-a-dia. E, se nada nos faltar, damos voltas à cabeça e iremos encontrar alguma coisa. Uma casa nova. Um emprego, porque o nosso já não nos satisfaz. Uma vida inteira talvez, já vivemos com a nossa há demasiado tempo e queremos outra. Adrenalina, sangue quente a correr-nos nas veias, um friozinho na barriga. A insatisfação está-nos nas entranhas e é inerente à nossa existência. Queremos tudo a que temos direito e acabamos por não aproveitar direito tudo o que temos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

FIM

Desconhecido e irregular, o caminho. Sinto-me como se caminhasse de olhos fechados no escuro, dando passos lentos, trabalhando cada pedacinho de chão com cuidado, uma e outra e outra vez antes de avançar. Descuido-me, deixo-me ir e não consigo controlar. Caio num abismo, desamparada. Tento com todas as forças segurar-me ao enorme muro em que, eu própria, me encerrei. É muito tarde, agora. Os meus dedos escorregam e o muro já não existe. Deixo-me cair. Gosto da sensação não posso negar, e no entanto, é tão dificil admitir. Gosto do arrepio que me provoca, o vento. Gosto do calor com que me aconchega, o sol. E deixo-me cair. Sei que vou acabar por tocar, secamente, o chão. Mas depois, quando aos poucos sentir a dormencia e os sentidos desaparecerem, quando libertar finalmente a minha alma vou olhar para baixo e ter certeza do que me aconteceu. Vida.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Delícia

Dizem que amor de primos é para sempre. Eu acredito. Não esse amor carnal, mas este. Terno, sossegado, puro, delicioso. Eu acredito.
E pensar que agora sou eu a mais pequenina.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

"Tenho fome, posso ir buscar bolachas?", perguntou-me e eu respondi afirmativamente. Trouxe uma caixinha com algumas. Tinham recheio de geleia de framboesa. Pousou-as na mesa e ia dando uma ou outra dentada entre as diversas pinceladas no desenho.
Tirei uma balacha. Abri-a, comi toda a parte onde não havia geleia e deixei o resto num canto.
"Não se faz isso", disse-me com um olhar reprovador. "Mas eu não gosto", argumentei rapidamente. Sem dizer mais nada agarrou no pedacinho que eu tinha deixado e comeu. Ainda repeti o gesto umas quantas vezes. Ele comia sempre o meu pedacinho.
De repente, largou tudo o que estava a fazer e levantou-se. Quando voltou, pôs-me na mão um pacote de bolachas de água e sal. "Come estas", disse ele "assim já não estragas mais nenhuma".

E por breves momentos, naquela sala, era eu quem parecia ter cinco anos.