segunda-feira, 21 de julho de 2014

Há uma altura na vida de, calculo, toda a gente em que não se consegue evitar questionar. E por questionar quero mesmo dizer colocar entre 50 a 90% da matéria de que somos feitos em causa. Se me perguntarem se sou feliz, a resposta é 'sim, sou'. Se me perguntarem se podia ser mais, claro. É como quando nos perguntam se gostamos de uma refeição. A resposta, genericamente, até pode ser sim mas se insistirem muito somos bem capazes de deixar escapar que a salada até tinha uma pitada de sal a mais. A felicidade também é isto, estar bem com o que temos, na generalidade, e ter noção que alguma especificidade podia ser melhorada (não pode sempre?).
Todos nós questionamos, em determinado ponto da nossa vida, o que poderíamos fazer diferente ou, pelo menos, se iria valer a pena arriscar pela diferença. É inevitável. Assim como é inevitável que nos falte sempre algo. Eu estou nessa fase, ou mais ou menos. Para já a questão não é bem se arrisco o caminho da esquerda ou da direita. Para já é mais perceber para onde raio vou abrir um caminho para ter como escolher. 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

O que foi de mim neste tempo (Parte IV)
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Terça-feira, 6 de Maio de 2014

Diz quem sabe que todos os escritores passam por bloqueios, uma vez ou outra. Que embora sejam fases de extrema frustração e desalento acabam por dar lugar a uma explosão de ideias e inspiração que faz valer todo o tempo que o bloqueio roubou. Eu, que não tenho a pretensão de me achar escritora e que acredito que a única razão que leva meio mundo a publicar livros é o facto de, eles próprios, lerem muito pouco, escrevo só. Passo o dia nisso, aliás, mas escritora não sou. E talvez por isso não me cause estranheza ter um bloqueio que se alastra há mais meses do que consigo contar. Se fosse escritora, sentar-me-ia numa esplanada numa tarde solarenga. Um único café na frente e o sol como companhia. Se eu fosse escritora a inspiração viria, com certeza, com o vento e o bloqueio seria lavado com as borras do café. Não sou. É pena, tenho pena. Escrever faz-me falta como do pão para a boca. Não a escrita de todos os dias, a de cá de dentro, que lava, purifica, desintoxica. E da falta que me faz sobra só um bloqueio que parece infinito e que não sei desatar. Mas também, que importa isso? Eu nem sequer quero ser escritora.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O que foi de mim neste tempo (Parte III)
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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Gosto de História desde o tempo em que me falaram do Tratado de Tordesilhas, do tempo em que me deslumbrei com os Deuses do Olimpo, da altura em que me explicaram a crise do século XIV e me apresentaram os Descobrimentos. A II Guerra sempre foi o meu tema favorito, no entanto. Pela proximidade temporal ou pela simples curiosidade, sempre me atraiu.

Devia ter os meus 13 anos quando uma professora de então nos arrastou, a mim e à minha turma, até à pequena mediateca da escola e nos empurrou garganta abaixo um filme que ficou lá entalado uns bons pares de dias. 'A vida é Bela' é, até hoje, um dos meus filmes de eleição. Lembro-me que quando as luzes voltaram a acender-se e os créditos iam passando no ecran gigante, muitos colegas limpavam timidamente os olhos. Eu não reagi mas naquele momento soube que queria descobrir mais.

Depois de Dachau, fui a Auschwitz, um dos sítios com mais simbolismo no mundo inteiro e que, desde aquele dia na mediateca, quis conhecer. Não foi como imaginei. À medida que percorria os caminhos de terra entre os diversos barracões tentava, com toda a força, sentir alguma coisa. Não consegui, não consegui sequer pensar. Auschwitz suga cada pedaço da nossa alma e asfixia-a, deixa-a cinzenta. Absorve as reacções, o movimento do corpo, o brilho dos olhares. Visitar Auschwitz deixou-me como naquele dia na mediateca, sem reacção.

Os degraus das escadas entre os diversos andares dos barracões estão completamente gastos e perco o fôlego só de imaginar todos os passos que por ali passaram. Levam-nos até uma vitrine repleta de latas vazias de gás e nada faz sentido.Não fazem sentido as roupas de bebés meias rasgadas, não faz sentido o amontoado de óculos, não faz sentido o enorme monte de malas que ainda têm os nomes cravados. Não faz sentido. E não fazem sentido as milhares de escovas de dentes guardadas, o cabelo que, às toneladas, quase chega ao tecto. Vêem-se tranças, ainda feitas, no meio de fios e fios de cabelo que alguém, cruelmente, armazenou. Mais uns degraus e estamos num corredor estreito, ladeado por vidros. São sapatos. Grandes, pequenos, minúsculos. De salto, rasos, de homem, de mulher. É a imagem que guardo mais nitidamente: sapatos. Um par de cada pessoa, armazenados em ambos os lados do enorme corredor. Até ao tecto. Não faz sentido!

Lembro-me de uma cena do filme em que o protagonista é levado para um beco no campo. Executado. Levaram-nos lá e quase consegui ver o sofrimento gravado nos muros. Vi ao meu lado, por mais que uma vez, pessoas esconderem o rosto nos lenços que iam retirando, discretamente, do bolso. Não chorei. Não por falta de vontade mas porque ali, todo o meu corpo secou, todos os poros se fecharam.

Enfiaram-nos num autocarro com destino à segunda parte do campo, Birkenau, no momento em que a chuva começou a cair. Foi assim que conheci pela primeira vez aqueles carris que tantas vezes vi em filmes, debaixo de uma chuva torrencial. Sem guarda-chuva e com a água a gelar-me os ossos conheci Birkenau. Grande parte do campo foi destruído pelos nazis e o espaço tem agora uma paisagem verde de perder de vista. Fecho os olhos e lembro-me do cheiro a queimado que, ainda hoje, não sei se foi real ou uma partida da minha imaginação. A chuva ia ganhando mais intensidade. Os poucos barracões ainda de pé  servindo de abrigo. Lá dentro a temperatura era gélida e o ambiente húmido.Os locais onde os prisioneiros dormiam eram assustadoramente pequenos e sem condições. Ninguém devia passar por isto, ninguém devia fazer isto. Não faz sentido!

Não sei se alguma vez irei ser capaz de pisar outro campo de concentração, é demasiado. Sei, no entanto, que todos deviam visitar um, pelo menos uma vez na vida. Pôr os pés num lugar assim muda-nos, ensina-nos que não podemos aceitar que volte a acontecer. Depois de Auschwitz não voltei a ver 'A vida é bela', ainda não fui capaz!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Eu já não sei escrever

O que foi de mim neste tempo (Parte II)
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quarta-feira, 13 de Novembro de 2013

Há qualquer coisa que se perde em nós quando passamos a fazer da escrita o nosso trabalho. É o cansaço de passar o dia numa escrita furacão, em busca de palavras mecanizadas que descrevam factos sem réstia de opinião ou a certeza de que quando usamos durante muito tempo as palavras, elas perdem o sentido e parecem vazias de significado. Há algo que se perde quando chegamos a casa e, de repente, aquela que costumava ser a única forma de alivio e catarse já não funciona mais. Chamem-lhe inspiração, concentração ou outra coisa qualquer mas há algo que se perde.

Tive um blog como este, um dia, há não muito tempo .No tempo em que as palavras diziam alguma coisa, em que contavam histórias e retiravam peso às almas eu costumava ter um blog como este. Ainda o tenho, fechado como um refúgio, agora só meu. Gosto de lê-lo, às vezes, como quem procura a ponta de uma meada que anda perdida não sei por onde, mas já não o alimento, ele não me alimenta a mim. Hoje, os meus pedaços são diferentes dos daquela época. Diferentes, sem rumo e desastrosamente emaranhados. Já não cabem no que eu fui um dia, vão cabendo aqui. Pelo menos até eu voltar a saber escrever.

terça-feira, 1 de julho de 2014

'Arbeit Macht Frei'

Porque voltar só faz sentido em pleno...
O que foi de mim neste tempo (Parte I).

 05 de junho de 2013

Dachau não é só um nome difícil de pronunciar, fruto do ‘c’ mudo que nos faz engolir uma golfada de ar de cada vez que o tentamos dizer. Dachau tem cravado em cada esquina os segredos de uma História que, de tão horrenda, parece ficção. Em dias cinzentos, Dachau parece mais pesada e o ar que se respira é quase escasso. Os primeiros passos nas pequenas pedras que se atropelam no chão são dolorosos. Parecem-me Xisto e juntam-se em grandes grãos que vão deixando um rasto de barulho à minha passagem.

‘Welcome to Dachau Concentration Camp‘

Sinto o coração cair e bater-me nos quadris. O estômago cola-se às costas e os meus pulmões parecem, subitamente, mais lentos. No lugar onde antes sabia ter o coração sinto, agora, uma dor aguda que nunca antes senti. Levam-nos pelo caminho que, muitos anos antes, milhares de prisioneiros percorreram em direção ao sítio que, muitos deles, nunca chegaram a abandonar.

O enorme portão gradeado tem uma única inscrição: “Arbeit Macht Frei”- “o trabalho liberta”. O espaço à minha frente é de uma dimensão quase indescritível. Ali formavam judeus, ciganos, homossexuais e tantos outros que a II Guerra aprisionou, torturou, matou. Bombardeiam-nos imagens de pessoas onde já não há nada entre o osso e a pele. Pessoas. Em Dachau é frio, muito frio. Seca-nos o corpo, congela-nos a alma e, sem darmos conta, a apatia toma conta de nós.

Dachau foi o primeiro campo de concentração mandado construir por Hitler, ainda em 1933. Era um exemplo para todos os outros, um exemplo de violência. Entrar em Dachau, hoje, é perder a capacidade de falar, de respirar e os únicos sorrisos que conseguimos esboçar são carregados de uma tristeza quase insuportável.

Dentro do grande edifício onde antes faziam triagem de prisioneiros, onde tomavam banho, onde cozinhavam, onde eram mortos alinham-se cartazes de propaganda, imagens de corpos amontoados, quase até ao teto, em grandes salas. As paredes têm ainda uma mistura de cores, vivências e sofrimento que não consigo descrever. E são suaves, uma suavidade brilhante ao toque. Lemos nomes, nomes e mais nomes que não conseguimos decorar mas que deveríamos conseguir. Mostram-nos documentos, cartas que escreviam, pinturas que alinhavavam. Mostram-nos óculos, livros, pratos, colheres, roupa. Uma roupa tão fina que seria incapaz de proteger dos dias cinzentos de Dachau.

Contam-nos histórias atrozes de uma violência que ninguém deveria ser capaz de infligir. O ambiente em Dachau é pesado. Pesa em cada poro das nossas entranhas, reduz-nos a uma mediocridade sem sentido e eu tenho dificuldade em mexer-me. Num campo de concentração, tudo o que nos ensinaram na escola sobre os nazis, os campos, os crematórios e as câmaras de gás parece pouco, leviano. Na escola não nos dizem que os campos de concentração vão ser sempre negros, mesmo que os vejamos a cores; não nos levam a grandes salas, agora vazias e com paredes marcadas, onde antes homens amontoavam restos de vidas de outros. Falam-nos de câmaras de gás e nós não percebemos. Não percebemos até pisarmos a escuridão de uma, até sentirmos que, lá dentro, as forças quase nos falham.

Em Dachau morreram milhares de pessoas e é impossível visitar um sítio assim sem sentir que, também nós, morremos um pouco ali. A 29 de abril de 1945 as tropas dos aliados libertaram os milhares de prisioneiros de Dachau. Eu conheci-o no dia em que celebravam o 68º aniversário da libertação e a única coisa que tenho a certeza sempre que fecho os olhos é que ninguém permanece igual depois de pisar um campo de concentração. Ninguém, não pode!