terça-feira, 1 de julho de 2014

'Arbeit Macht Frei'

Porque voltar só faz sentido em pleno...
O que foi de mim neste tempo (Parte I).

 05 de junho de 2013

Dachau não é só um nome difícil de pronunciar, fruto do ‘c’ mudo que nos faz engolir uma golfada de ar de cada vez que o tentamos dizer. Dachau tem cravado em cada esquina os segredos de uma História que, de tão horrenda, parece ficção. Em dias cinzentos, Dachau parece mais pesada e o ar que se respira é quase escasso. Os primeiros passos nas pequenas pedras que se atropelam no chão são dolorosos. Parecem-me Xisto e juntam-se em grandes grãos que vão deixando um rasto de barulho à minha passagem.

‘Welcome to Dachau Concentration Camp‘

Sinto o coração cair e bater-me nos quadris. O estômago cola-se às costas e os meus pulmões parecem, subitamente, mais lentos. No lugar onde antes sabia ter o coração sinto, agora, uma dor aguda que nunca antes senti. Levam-nos pelo caminho que, muitos anos antes, milhares de prisioneiros percorreram em direção ao sítio que, muitos deles, nunca chegaram a abandonar.

O enorme portão gradeado tem uma única inscrição: “Arbeit Macht Frei”- “o trabalho liberta”. O espaço à minha frente é de uma dimensão quase indescritível. Ali formavam judeus, ciganos, homossexuais e tantos outros que a II Guerra aprisionou, torturou, matou. Bombardeiam-nos imagens de pessoas onde já não há nada entre o osso e a pele. Pessoas. Em Dachau é frio, muito frio. Seca-nos o corpo, congela-nos a alma e, sem darmos conta, a apatia toma conta de nós.

Dachau foi o primeiro campo de concentração mandado construir por Hitler, ainda em 1933. Era um exemplo para todos os outros, um exemplo de violência. Entrar em Dachau, hoje, é perder a capacidade de falar, de respirar e os únicos sorrisos que conseguimos esboçar são carregados de uma tristeza quase insuportável.

Dentro do grande edifício onde antes faziam triagem de prisioneiros, onde tomavam banho, onde cozinhavam, onde eram mortos alinham-se cartazes de propaganda, imagens de corpos amontoados, quase até ao teto, em grandes salas. As paredes têm ainda uma mistura de cores, vivências e sofrimento que não consigo descrever. E são suaves, uma suavidade brilhante ao toque. Lemos nomes, nomes e mais nomes que não conseguimos decorar mas que deveríamos conseguir. Mostram-nos documentos, cartas que escreviam, pinturas que alinhavavam. Mostram-nos óculos, livros, pratos, colheres, roupa. Uma roupa tão fina que seria incapaz de proteger dos dias cinzentos de Dachau.

Contam-nos histórias atrozes de uma violência que ninguém deveria ser capaz de infligir. O ambiente em Dachau é pesado. Pesa em cada poro das nossas entranhas, reduz-nos a uma mediocridade sem sentido e eu tenho dificuldade em mexer-me. Num campo de concentração, tudo o que nos ensinaram na escola sobre os nazis, os campos, os crematórios e as câmaras de gás parece pouco, leviano. Na escola não nos dizem que os campos de concentração vão ser sempre negros, mesmo que os vejamos a cores; não nos levam a grandes salas, agora vazias e com paredes marcadas, onde antes homens amontoavam restos de vidas de outros. Falam-nos de câmaras de gás e nós não percebemos. Não percebemos até pisarmos a escuridão de uma, até sentirmos que, lá dentro, as forças quase nos falham.

Em Dachau morreram milhares de pessoas e é impossível visitar um sítio assim sem sentir que, também nós, morremos um pouco ali. A 29 de abril de 1945 as tropas dos aliados libertaram os milhares de prisioneiros de Dachau. Eu conheci-o no dia em que celebravam o 68º aniversário da libertação e a única coisa que tenho a certeza sempre que fecho os olhos é que ninguém permanece igual depois de pisar um campo de concentração. Ninguém, não pode!
 

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