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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Gosto de História desde o tempo em que me falaram do Tratado de Tordesilhas, do tempo em que me deslumbrei com os Deuses do Olimpo, da altura em que me explicaram a crise do século XIV e me apresentaram os Descobrimentos. A II Guerra sempre foi o meu tema favorito, no entanto. Pela proximidade temporal ou pela simples curiosidade, sempre me atraiu.
Devia ter os meus 13 anos quando uma professora de então nos arrastou, a mim e à minha turma, até à pequena mediateca da escola e nos empurrou garganta abaixo um filme que ficou lá entalado uns bons pares de dias. 'A vida é Bela' é, até hoje, um dos meus filmes de eleição. Lembro-me que quando as luzes voltaram a acender-se e os créditos iam passando no ecran gigante, muitos colegas limpavam timidamente os olhos. Eu não reagi mas naquele momento soube que queria descobrir mais.
Depois de Dachau, fui a Auschwitz, um dos sítios com mais simbolismo no mundo inteiro e que, desde aquele dia na mediateca, quis conhecer. Não foi como imaginei. À medida que percorria os caminhos de terra entre os diversos barracões tentava, com toda a força, sentir alguma coisa. Não consegui, não consegui sequer pensar. Auschwitz suga cada pedaço da nossa alma e asfixia-a, deixa-a cinzenta. Absorve as reacções, o movimento do corpo, o brilho dos olhares. Visitar Auschwitz deixou-me como naquele dia na mediateca, sem reacção.
Os degraus das escadas entre os diversos andares dos barracões estão completamente gastos e perco o fôlego só de imaginar todos os passos que por ali passaram. Levam-nos até uma vitrine repleta de latas vazias de gás e nada faz sentido.Não fazem sentido as roupas de bebés meias rasgadas, não faz sentido o amontoado de óculos, não faz sentido o enorme monte de malas que ainda têm os nomes cravados. Não faz sentido. E não fazem sentido as milhares de escovas de dentes guardadas, o cabelo que, às toneladas, quase chega ao tecto. Vêem-se tranças, ainda feitas, no meio de fios e fios de cabelo que alguém, cruelmente, armazenou. Mais uns degraus e estamos num corredor estreito, ladeado por vidros. São sapatos. Grandes, pequenos, minúsculos. De salto, rasos, de homem, de mulher. É a imagem que guardo mais nitidamente: sapatos. Um par de cada pessoa, armazenados em ambos os lados do enorme corredor. Até ao tecto. Não faz sentido!
Lembro-me de uma cena do filme em que o protagonista é levado para um beco no campo. Executado. Levaram-nos lá e quase consegui ver o sofrimento gravado nos muros. Vi ao meu lado, por mais que uma vez, pessoas esconderem o rosto nos lenços que iam retirando, discretamente, do bolso. Não chorei. Não por falta de vontade mas porque ali, todo o meu corpo secou, todos os poros se fecharam.
Enfiaram-nos num autocarro com destino à segunda parte do campo, Birkenau, no momento em que a chuva começou a cair. Foi assim que conheci pela primeira vez aqueles carris que tantas vezes vi em filmes, debaixo de uma chuva torrencial. Sem guarda-chuva e com a água a gelar-me os ossos conheci Birkenau. Grande parte do campo foi destruído pelos nazis e o espaço tem agora uma paisagem verde de perder de vista. Fecho os olhos e lembro-me do cheiro a queimado que, ainda hoje, não sei se foi real ou uma partida da minha imaginação. A chuva ia ganhando mais intensidade. Os poucos barracões ainda de pé servindo de abrigo. Lá dentro a temperatura era gélida e o ambiente húmido.Os locais onde os prisioneiros dormiam eram assustadoramente pequenos e sem condições. Ninguém devia passar por isto, ninguém devia fazer isto. Não faz sentido!
Não sei se alguma vez irei ser capaz de pisar outro campo de concentração, é demasiado. Sei, no entanto, que todos deviam visitar um, pelo menos uma vez na vida. Pôr os pés num lugar assim muda-nos, ensina-nos que não podemos aceitar que volte a acontecer. Depois de Auschwitz não voltei a ver 'A vida é bela', ainda não fui capaz!
Devia ter os meus 13 anos quando uma professora de então nos arrastou, a mim e à minha turma, até à pequena mediateca da escola e nos empurrou garganta abaixo um filme que ficou lá entalado uns bons pares de dias. 'A vida é Bela' é, até hoje, um dos meus filmes de eleição. Lembro-me que quando as luzes voltaram a acender-se e os créditos iam passando no ecran gigante, muitos colegas limpavam timidamente os olhos. Eu não reagi mas naquele momento soube que queria descobrir mais.
Depois de Dachau, fui a Auschwitz, um dos sítios com mais simbolismo no mundo inteiro e que, desde aquele dia na mediateca, quis conhecer. Não foi como imaginei. À medida que percorria os caminhos de terra entre os diversos barracões tentava, com toda a força, sentir alguma coisa. Não consegui, não consegui sequer pensar. Auschwitz suga cada pedaço da nossa alma e asfixia-a, deixa-a cinzenta. Absorve as reacções, o movimento do corpo, o brilho dos olhares. Visitar Auschwitz deixou-me como naquele dia na mediateca, sem reacção.
Os degraus das escadas entre os diversos andares dos barracões estão completamente gastos e perco o fôlego só de imaginar todos os passos que por ali passaram. Levam-nos até uma vitrine repleta de latas vazias de gás e nada faz sentido.Não fazem sentido as roupas de bebés meias rasgadas, não faz sentido o amontoado de óculos, não faz sentido o enorme monte de malas que ainda têm os nomes cravados. Não faz sentido. E não fazem sentido as milhares de escovas de dentes guardadas, o cabelo que, às toneladas, quase chega ao tecto. Vêem-se tranças, ainda feitas, no meio de fios e fios de cabelo que alguém, cruelmente, armazenou. Mais uns degraus e estamos num corredor estreito, ladeado por vidros. São sapatos. Grandes, pequenos, minúsculos. De salto, rasos, de homem, de mulher. É a imagem que guardo mais nitidamente: sapatos. Um par de cada pessoa, armazenados em ambos os lados do enorme corredor. Até ao tecto. Não faz sentido!
Lembro-me de uma cena do filme em que o protagonista é levado para um beco no campo. Executado. Levaram-nos lá e quase consegui ver o sofrimento gravado nos muros. Vi ao meu lado, por mais que uma vez, pessoas esconderem o rosto nos lenços que iam retirando, discretamente, do bolso. Não chorei. Não por falta de vontade mas porque ali, todo o meu corpo secou, todos os poros se fecharam.
Enfiaram-nos num autocarro com destino à segunda parte do campo, Birkenau, no momento em que a chuva começou a cair. Foi assim que conheci pela primeira vez aqueles carris que tantas vezes vi em filmes, debaixo de uma chuva torrencial. Sem guarda-chuva e com a água a gelar-me os ossos conheci Birkenau. Grande parte do campo foi destruído pelos nazis e o espaço tem agora uma paisagem verde de perder de vista. Fecho os olhos e lembro-me do cheiro a queimado que, ainda hoje, não sei se foi real ou uma partida da minha imaginação. A chuva ia ganhando mais intensidade. Os poucos barracões ainda de pé servindo de abrigo. Lá dentro a temperatura era gélida e o ambiente húmido.Os locais onde os prisioneiros dormiam eram assustadoramente pequenos e sem condições. Ninguém devia passar por isto, ninguém devia fazer isto. Não faz sentido!
Não sei se alguma vez irei ser capaz de pisar outro campo de concentração, é demasiado. Sei, no entanto, que todos deviam visitar um, pelo menos uma vez na vida. Pôr os pés num lugar assim muda-nos, ensina-nos que não podemos aceitar que volte a acontecer. Depois de Auschwitz não voltei a ver 'A vida é bela', ainda não fui capaz!
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