Há dias, alguém muito importante disse-me que há saudades que já não podemos matar. Li e reli vezes sem conta aquela frase: "há saudades que já não podemos matar". Não, não podemos, não conseguimos. Deixamos, muitas vezes que nos matem, que nos façam menos nós, que nos mudem. Devia ter chovido ontem, devia ter chovido como acontece quase sempre. O céu devia ter deixado cair saudades em forma de pingos de chuva porque assim é que tem que ser. E, no entanto, isso, do dia das saudades é uma treta, uma maneira de muitos parecerem o que não são, de fingirem amar quem nunca amaram, de dizerem sentir falta de quem nunca conheceram verdadeiramente, de deixarem cair lágrimas secas por quem nunca ofereceram um sorriso, de dizerem sentir um vazio quando estão cheias de si mesmas. É assim que eu penso, é assim que prefiro pensar porque assim não as vejo lá, não penso naquelas saudades que nunca mais vou matar. Tenho saudades da voz, dos peixinhos, da cara macia que eu gostava de dar beijinhos, da casa que eu percorria a correr quando chegava da escola, das bonecas de pano, dos aventais pequeninos. Tenho saudades dos penteados que me deixava fazer, com flores, dos dias que passávamos juntas, dos ramos que me fazia para oferecer às amigas nos anos, de nos encostarmos ao fogão a lenha, lado a lado, para nos aquecermos no Inverno, da voz, sobretudo da voz. Sim, é de matar as saudades que tenho saudades, e por isso, ontem fui lá vê-las rapidamente, como quem dá um beijo e vem embora a correr antes que o mundo desabe pela face. E sim, tens razão, há saudades que já não podemos matar. Eu prefiro pensar só nas que ainda posso esmagar entre os braços. Dói menos, morro menos, sinto menos.
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