terça-feira, 11 de outubro de 2011

João

Saiu de casa cedo, o João. Atrasado, como de costume, não disse bom dia, não leu o jornal, não tomou o pequeno-almoço. Saiu a correr, um monte de papéis atafulhados no braço esquerdo, o telemóvel, as chaves do carro, de casa, a pasta com o portátil no braço direito. Era assim todos os dias: não ouvia o despertador tocar, não se conseguia levantar, saia a correr. Tinha adrenalina nas veias, queria fazer tudo intensamente, rapidamente, perfeitamente. À noite voltava com as olheiras escondidas nos óculos de massa, uma pilha de papéis ainda maior debaixo do braço esquerdo, o telemóvel, as chaves do carro, de casa e a pasta do portátil no braço direito. Não conseguia dormir. Passava horas a olhar o tecto, a pensar, tentava manter os olhos abertos o máximo tempo possível na esperança de conseguir o efeito contrario. Era adrenalina a mais, trabalho a mais, pensamento a mais. Nada à volta estava preenchido. A cozinha tinha um ou dois armários que nem costumava usar, na sala pairava um único sofá, dos anos 80, completamente rasgado e cheio de papéis e a cama tinha ainda um lugar vago. "Quando é que te casas e tomas juízo, rapaz", dizia-lhe a mãe, de vez em quando. Não se importava, sabia que a mãe não ia entender que era feliz assim, que só queria conseguir dormir para não sair de casa atrasado. Para ter coragem de dizer bom dia sempre que se cruzava com Ela no vão de escadas do primeiro andar para, quem sabe, ter tempo de a convidar para o pequeno-almoço.

1 comentário:

Adriana disse...

És tão inteligente, vês sempre mais além!