"E Então a família?"
Era assim todas as vezes que ia à mercearia. O senhor Manuel, já de oitenta anos, conhecia o bairro inteiro, alguns desde criança. Tratava-os pelo primeiro nome, sabia os gostos de cada um, preocupava-se.
"Está tudo bem, graças a Deus. A Marianinha já vai este ano para a escola e o Miguel está no quinto ano."
"Já me tinha esquecido como eles crescem rápido. E o António?"
Ela arrumou as compras apressadamente e, já na porta, murmurou um inaudível "está igual" antes de se despedir. Lá fora chovia. Chovia desesperadamente. Ainda só tinha dado dois passos e já estava encharcada. Correu para o único sítio onde não havia edifícios, onde não havia nada. Largou o saco das compras e chorou até lhe secarem as entranhas, gritou até lhe faltar a voz.
E ali, onde ninguém a podia ouvir, onde as lágrimas se (con)fundiam com a chuva e os gritos eram abafados pela tempestade pensou na Marianinha que não podia mais ver aquilo, no Miguel, cada vez mais revoltado.
Ali, onde ninguém a ouvia, gritou, chorou e pensou no António. Jurou que nunca mais o ia perdoar, que nunca mais ia esconder as marcas de algo que ele justificava com amor. Ali, decidiu que nunca mais o ia proteger, porque por mais desculpas que pedisse, o António ia ser sempre igual.
2 comentários:
Carambas! Mesmo quando o texto mete porrada, sabe bem ler :) carambas!
Uau...
Sempre actual miuda, sempre actual...
Já agora nunca se esqueçam que violencia domestica é um crime publico, nem necessita de queixa.
Ha que denunciar, fechar os olhos é ser negligente.
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