No mundo dos que não sabem e que dizem o disparate é rei, a piada é rainha e traz debaixo do manto um par de filhos de igual delicadeza. No mundo dos que não sabem e que dizem reina a liberdade que, à noite, muda a forma e pisa o risco esbatido da liberdade dos outros. No mundo dos que não sabem, dizem-se coisas porque sim, porque é um direito. E não se sabe, usa-se a liberdade porque se pode, porque se é dono dela. No mundo dos que não sabem e que dizem não se olha para o lado, não importa a ferida que pisar o risco dos outros deixa. Não importa. O problema do mundo dos que não sabem é que, mesmo assim, dizem!
Alice aos pedaços
terça-feira, 11 de novembro de 2014
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
Procurem-me na multidão!
Procurem-me pela essência singular, pelo espírito desassossegado, pelo sorriso destemido. Procurem-me pela vontade de quebrar barreiras, de fugir sem olhar para trás, de largar. Procurem-me porque sou diferente. Ou não me procurem. Procurem-me ou deixem-me ser levada pela multidão de passos mecanizados, pela segurança da corrente que é tão forte que não sei escapar. Vejo noites caírem-me aos pés enquanto o peso dos meus sapatos se torna mais e mais insuportável. Procurem-me! Os meus olhos já não aguentam separar-se de outros que, de mãos dadas e sorriso rasgado, rompem a multidão na direção oposta. Procurem-me! A multidão já encolheu demais e já não sei caminhar nos meus passos. Procurem-me ou não me procurem. Acabem com esta ilusão de ser diferente quando sou mais um exemplar da mesma serie de tantos outros. Procurem-me! Por não ter uma essência singular, pelo espírito desassossegado que não sabe mais do que se resignar. Procurem-me porque sou igual. Ou não me procurem!
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Recordar os sítios por onde passamos, onde fomos plenos e nos conhecemos por dentro deixa na boca um gosto agridoce, uma sensação de peito cheio de melancolia e uma vontade imensa de ter um botão de teletransporte que nos devolva aos lugares. Sabe a pouco recordar. Como sabem a pouco os dias em que nos deixamos perder em calçadas desconhecidas, entre jardins e nomes de ruas que nunca mais nos irão largar. Sabem a pouco os minutos que passamos a olhar o que nos rodeia na esperança de deixar gravados na retina os detalhes que máquina nenhuma guarda por nós. E sabe a pouco a recordação da terra quente que antes tivemos debaixo dos pés, da água gelada que nos irritou a garganta numa tarde de verão ao por-do-sol, do cheiro a alecrim. O sabor agridoce que deixa em nós é um vicio que nos consome os dias, que nos faz conta-los e dar-lhes sentido. É uma dependência, uma obsessão que nos alimenta ou se alimenta de nós e que mais do que nos nos puxar para os lugares que já são nossos, nos empurra para aqueles que ainda vão ser.
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