quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Das Saudades

Há dias, alguém muito importante disse-me que há saudades que já não podemos matar. Li e reli vezes sem conta aquela frase: "há saudades que já não podemos matar". Não, não podemos, não conseguimos. Deixamos, muitas vezes que nos matem, que nos façam menos nós, que nos mudem. Devia ter chovido ontem, devia ter chovido como acontece quase sempre. O céu devia ter deixado cair saudades em forma de pingos de chuva porque assim é que tem que ser. E, no entanto, isso, do dia das saudades é uma treta, uma maneira de muitos parecerem o que não são, de fingirem amar quem nunca amaram, de dizerem sentir falta de quem nunca conheceram verdadeiramente, de deixarem cair lágrimas secas por quem nunca ofereceram um sorriso, de dizerem sentir um vazio quando estão cheias de si mesmas. É assim que eu penso, é assim que prefiro pensar porque assim não as vejo lá, não penso naquelas saudades que nunca mais vou matar. Tenho saudades da voz, dos peixinhos, da cara macia que eu gostava de dar beijinhos, da casa que eu percorria a correr quando chegava da escola, das bonecas de pano, dos aventais pequeninos. Tenho saudades dos penteados que me deixava fazer, com flores, dos dias que passávamos juntas, dos ramos que me fazia para oferecer às amigas nos anos, de nos encostarmos ao fogão a lenha, lado a lado, para nos aquecermos no Inverno, da voz, sobretudo da voz. Sim, é de matar as saudades que tenho saudades, e por isso, ontem fui lá vê-las rapidamente, como quem dá um beijo e vem embora a correr antes que o mundo desabe pela face. E sim, tens razão, há saudades que já não podemos matar. Eu prefiro pensar só nas que ainda posso esmagar entre os braços. Dói menos, morro menos, sinto menos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pergunto-me, às vezes, se algum dia serei plenamente normal, comum. O normal culto, serio, interessante, cativante. Pergunto-me, outras tantas, se esta loucura que trago algum dia vai sumir, desaparecer, dar lugar a um eu de olhar carrancudo, voz de respeito, de postura muito direita e lábios selados. Nem sempre me acho boa pessoa. Nem sempre me sinto melhor. Às vezes, confesso, penso como seria se fosse mais como a Ana, como a Teresa, como a Maria, como elas. Calada, parada, focada. Pergunto-me, não poucas vezes, se será normal esta loucura, se será normal ter consciência dela e deixa-la existir. Se não risse demasiado, se não brincasse demasiado, se não exteriorizasse demasiado, se não falasse demasiado. Devia mudar a maneira de pensar, também. Ser mais como a Ana, a Teresa, a Maria. Deixar o que gosto de lado. O que importa, afinal, o que gosto quando posso ter o que quero. Ser mais como elas.
Há alturas, também, em que penso que esta loucura é o que me dá a sanidade. Que é por rir demasiado que encaro os problemas com olhos diferentes. Que é por brincar demasiado que me esqueço que nem sempre me apetece rir, que é por exteriorizar demasiado umas coisas que consigo guardar outras só para mim, que é por falar demasiado que me sinto, quase sempre, leve.
E depois volto a perguntar-me se algum dia serei plenamente normal, se algum dia serei como a Ana, a Teresa, a Maria, se algum dia terei a sorte que elas têm. Volto a perguntar-me se algum dia serei como elas. É que mesmo que eu lute mais e encare melhor os problemas com a minha loucura, ela não me serve de nada  se a Ana, a Teresa e a Maria conseguirem tudo e eu não. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sempre tive muita imaginação II: A Profissão

"Eu quando crescer quero ser farmacêutica, porque eu gosto muito de mexer nos remédios, embora não mexa. Desde pequena que eu quero ser farmacêutica, eu adoro essa profissão. Desde pequena que eu quero ser farmacêutica mas também já pensei noutras profissões, mas não gosto de nenhuma delas, só esta. Gosto de estar ao balcão a aviar os clientes."

Elsa Sofia, 1997